Lendo a Bíblia Existencialmente (sem cair no subjetivismo)
Você já leu uma história bíblica e teve a sensação de estar distante demais daquilo? Como se fosse apenas um texto antigo, frio, cheio de regras ou curiosidades teológicas?
Mas a verdade é que a Bíblia não é um livro morto.
Ela pulsa. Ela sangra. Ela vive.
Ela fala de gente real — como eu e você. Gente que chorou, temeu, esperou, confiou… e sofreu. O problema é que, muitas vezes, nos aproximamos das Escrituras como se fôssemos meros observadores. Mas e se o convite fosse para entrar?
Neste artigo, vamos entender o que significa ler a Bíblia existencialmente — não no sentido filosófico, mas humano, pessoal e profundo. E essa mudança de postura pode transformar completamente a sua relação com a Palavra de Deus.
O que é ler a Bíblia existencialmente?
Ler a Bíblia existencialmente não é aplicar uma técnica sofisticada. É se colocar dentro do drama das Escrituras, reconhecendo a humanidade dos personagens e deixando-se envolver por ela.
Veja, por exemplo, Gênesis 22:
“Abraham estendeu a mão e pegou a faca para imolar seu filho...”
“Mas o anjo do Senhor bradou do céu: ‘Abraão! Abraão!’”
(Gênesis 22 – NAA)
Consegue sentir a tensão? O coração de um pai prestes a sacrificar seu próprio filho. O altar. O silêncio. O peso da obediência. Esse tipo de leitura nos transforma, porque ela não é apenas informativa — ela é vivencial.
O drama está nos detalhes
O filósofo cristão Søren Kierkegaard escreveu um livro inteiro sobre a cena de Gênesis 22: Temor e Tremor. E sabe qual detalhe ele destacou?
“Abraão levantou-se de madrugada.”
Kierkegaard não se deteve apenas no gesto. Ele perguntou: O que Abraão sentiu naquela noite? Será que conseguiu dormir? Chorou? Ficou em silêncio, olhando para Isaque enquanto a madrugada avançava?
A Bíblia não nos dá essas respostas. Mas é justamente o silêncio do texto que abre espaço para sentirmos o peso da situação. Kierkegaard sugere: Abraão se levantou de madrugada talvez porque não conseguiu dormir, angustiado pelo que teria de fazer.
Esse tipo de leitura não inventa significados — apenas reconhece a humanidade profunda dos personagens. E esse reconhecimento nos leva para dentro da história, com reverência, sem distorcer a verdade do texto.
Outro exemplo forte está em Levítico 10. Nadabe e Abiú, filhos de Arão, morrem ao oferecer fogo estranho ao Senhor. E a Bíblia registra algo impressionante:
“E Arão guardou silêncio.”
(Levítico 10:3 – NAA)
Nenhuma reação, nenhuma palavra. Apenas o silêncio de um pai diante da morte dos filhos. E esse silêncio… fala. Mas só ouve quem lê com atenção e reverência.
A Bíblia é o livro mais dramático já escrito. E esse drama se revela nas entrelinhas.
A leitura que transforma
Talvez você conheça alguém que diga:
“A Bíblia é meio chata…”
Mas o problema não está no texto — está em como lemos. A Palavra de Deus é viva. O tédio nasce quando o coração do leitor está longe dela.
R.C. Sproul dizia que ler a Bíblia existencialmente é buscar nela vida. Não no sentido de relativizar seu significado, mas de reconhecer que ela foi escrita por Deus, para pessoas reais, enfrentando dilemas reais.
Mas atenção:
- Ler entre as linhas não é licença para inventar sentidos.
É reconhecer o peso da narrativa, a humanidade dos personagens, e a nossa própria necessidade diante de Deus. - Diferente de certas abordagens existencialistas, que dizem que a Bíblia só é Palavra de Deus quando “me toca”, aqui afirmamos o contrário: ela é Palavra de Deus objetiva — e por isso nos toca.
Conclusão: sendo lidos pela Palavra
A Bíblia não é apenas um livro para ser estudado. É um livro para ser vivido.
Quando nos aproximamos dela com reverência, atenção e envolvimento, descobrimos algo profundo: não estamos apenas lendo histórias sobre outras pessoas… estamos sendo lidos por elas.
A pergunta que fica é:
Você tem lido a Bíblia com o coração aberto — ou com os olhos de um espectador distante?
Porque a Palavra de Deus não foi feita para ser observada de longe.
Ela foi escrita para ser sentida no peito.